O propósito no Voluntariado Corporativo

O propósito no Voluntariado Corporativo

Tendo em consideração os desafios que o Voluntariado Corporativo enfrenta, quando tenho de abordar esta temática o meu pensamento entra num circuito de reflexões, muitas vezes antagónicas.

O primeiro é o inegável potencial de impacte, demonstrado por vários exemplos, cá dentro e fora do país e que a Pista Mágica tem testemunhado, muito pelo apoio que lhes tem prestado. Essas são as bitolas pelas quais nos devemos reger quando falamos neste assunto. São as boas práticas nos devem orientar no caminho a seguir.

O segundo são os não tão bons exemplos – que também nos dão pistas sobre o que não fazer – quando não é definido um propósito claro aquando da criação do programa de voluntariado empresarial.

Por isso, conceber um bom planeamento estratégico é crucial. Trata-se de um processo que alimenta o propósito do programa de voluntariado, se ramifica em resultados a atingir alcançados através de atividades que se ordenam num cronograma.

E para isso há que investir tempo e dinheiro. Não se pode continuar na falácia de pressupor que por se tratar de Voluntariado não existirão custos. A máxima “Sem investimento não há retorno” também se aplica fora da esfera dos negócios. Claro que no Voluntariado o retorno não será financeiro, será de impacte (social, ambiental, patrimonial, entre muitos outros). Porém, lamento afirmar que ainda observo uma atitude algo descomprometida nesta matéria, que se foca mais no que a empresa pode ganhar com o Voluntariado e não tanto no impacte da sua ação. Por isso, não é de estranhar que se materialize em pontuais atividades de voluntariado no âmbito da sua mais alargada estratégia de responsabilidade social e muitas vezes orientada para alimentar a sua boa reputação, por isso muitas vezes sob a alçada do departamento de Marketing/Comunicação.

"lamento afirmar que ainda observo uma atitude algo descomprometida nesta matéria, que se foca mais no que a empresa pode ganhar com o Voluntariado e não tanto no impacte da sua ação"

Jamais me esquecerei do testemunho da CEO de uma organização da sociedade civil que no final de um curso de 36 horas de gestão de voluntariado me agradeceu por a ter ajudado a fazer as pazes com o voluntariado. Agradeci-lhe a gentileza das palavras e perguntei o porquê da “zanga”. Num tom de desabafo relatou o quão negativamente a tinham marcado as atividades de voluntariado empresarial na organização que lidera. Acolhendo jovens em risco, a delicadeza na gestão de voluntariado é maior. Sentiu uma enorme pressão em agradar à empresa e foi muito difícil encontrar o equilíbrio com as necessidades e o dia-a-dia da organização e dos seus beneficiários. O desgaste provocado pela experiência condicionou a sua opinião sobre o Voluntariado em geral – e não apenas o corporativo.

Será um programa de voluntariado corporativo equilibrado quando na balança o peso dos benefícios para a empresa é maior do que o dos beneficiários do programa de voluntariado? Na minha perspetiva não. Não é equilibrado nem ético.

As boas práticas distinguem-se pelo desejo de fazer as coisas bem desde o início, investindo o tempo necessário no planeamento, com o real propósito de criar impacte na(s) área(s) de atuação que definem como prioritária(s) – tanto para dentro (da empresa), como para fora (os beneficiários do programa de voluntariado).

A virtude que mais valorizo nos casos de sucesso que tenho observado é a humildade de querer saber mais, de superação, numa lógica de melhoria contínua. Curiosamente, essa postura é tida amiúde por empresas que já têm um programa de voluntariado maduro. É o caso de uma prestigiada empresa internacional de consultoria, que recentemente solicitou o nosso apoio na criação de um curso que será promovido nos mais de 50 países onde trabalha, através do seu programa de voluntariado corporativo.

"A virtude que mais valorizo nos casos de sucesso que tenho observado é a humildade de querer saber mais, de superação, numa lógica de melhoria contínua."

Realçamos também o caso de uma fundação portuguesa associada a um grande grupo empresarial que recentemente procurou o know-how da Pista Mágica para potenciar os seus programas de voluntariado, através de uma maior preparação da sua equipa na capacitação dos voluntários em Portugal.

Como em qualquer projeto que queiramos tornar realidade, se não existir um propósito claro, seguramente não alcançaremos os resultados esperados. Porque queremos criar um programa de voluntariado na nossa empresa? Com que fim? Defina-se isso com total clareza e o resto do processo fluirá muito melhor. O Voluntariado tem uma magia especial que naturalmente dá a todos os agentes envolvidos um propósito maior que o projeto: um propósito de vida!


Sugestões de leitura:

Relatório de pesquisa de Voluntariado Corporativo Global da IAVE (2022). Voluntariado Corporativo para um Mundo Pós-Pandemia. (em inglês)

Aborda em profundidade o voluntariado corporativo, com dezenas de casos e boas práticas mundiais na área.

Manual e casos de negócios. Voluntariado Corporativo Global. Uma ferramenta estratégica para envolver empresas e colaboradores na luta contra a pobreza. (em inglês)

Aborda o voluntariado corporativo global através de uma série de ensaios, entrevistas e estudos de caso com boas práticas de empresas de todo o mundo.

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