O erro de tentar resolver problemas complexos como se fossem simples

O erro de tentar resolver problemas complexos como se fossem simples

Recorrendo ao quadro proposto em 1999 por Dave Snowden, quando trabalhava para a IBM Global Services, os problemas podem ser de quatro tipos (a nomenclatura foi variando ao longo dos anos): simples, complicados, complexos ou caóticos.

Vejamos cada tipo:

- Os problemas claros (ou simples, ou óbvios) podem ser facilmente resolvidos. É possível compreender-se a relação ou relações causa-efeito em jogo e, por isso, o que se recomenda é (1) compreender os factos, (2) categorizar, e depois (3) responder recorrendo às melhores práticas. Um exemplo, de entre milhares possíveis, é o de um cliente ou utente que não paga até à data limite aquilo que deve. Tendo o problema sido detetado pela organização, há que prosseguir com as práticas estabelecidas para lhe dar resposta.

Sobre este tema ainda, duas reflexões adicionais. Uma é que é claro que se pressupõe que estas práticas – de resolução de problemas simples - já foram devidamente discutidas na organização e os procedimentos adequados já foram estabelecidos. Este é um primeiro nível de investimento na capacidade de qualquer organização. Os problemas simples devem ser antecipados e as soluções pré-preparadas.

Outra reflexão, bem diferente, mas igualmente relevante é que, por vezes, os gestores das organizações simplificam demasiado os problemas, forçando formas de resolução simples a problemas que não são simples. Situação semelhante pode acontecer por um clima de complacência na organização – uma certa preguiça ou “rame-rame” leva os colaboradores a confiar que os problemas se resolverão de forma simples, aplicando-se o que se conhece e o que sempre se fez na organização. Em ambos os casos seguem-se abordagens simples e conhecidas para problemas que não o são. Há que evitar isso a todo o custo, porque não sendo simples, o problema não irá ser resolvido e poderá ser agravado.

"Em ambos os casos seguem-se abordagens simples e conhecidas para problemas que não o são. Há que evitar isso a todo o custo, porque não sendo simples, o problema não irá ser resolvido e poderá ser agravado."

- Os problemas complicados, apesar de envolverem componentes diversos, o que os torna complicados, podem ser resolvidos. Com o conhecimento técnico adequado as relações causa-efeito podem ser compreendidas, ainda que exija trabalho e tempo, e não existe uma única solução adequada. Há que ponderar alternativas e escolher de forma fundamentada a solução a adotar. A resposta passa por boas práticas, porque não existe a melhor prática.

Construir uma nova fábrica ou um novo lar de idosos é um desafio complicado, mas é exequível. Deve mobilizar saberes técnicos de diferentes áreas, implica levantamento de boas práticas e a ponderação das melhores opções, devidamente fundamentadas, dadas as circunstâncias. Mas faz-se. As soluções não são simples mas conhecem-se.

- Os problemas complexos são de difícil definição, as relações de causa efeito só podem ser conhecidas em retrospetiva, não havendo soluções à partida. Investigar, fazer sentido e responder são as três fases da abordagem recomendada para este tipo de problemas. Chegar às respostas implica ter a capacidade de lidar com a incerteza, de nos adaptarmos, experimentarmos diferentes estratégias, percebendo o que resulta e o que não, e de sermos abertos ao que emerge como possíveis soluções adequadas.

Um problema desta natureza é a da redução dos efeitos dos gases de estufa de uma forma que seja justa para todos os implicados. Além do conhecimento técnico que a resolução do problema implica, e da vontade política, encontrar uma forma justa implica participação, partilha, consensos. A maioria dos problemas sociais são desta natureza. Começam por ser de difícil compreensão, por implicarem várias dimensões e atores, e por as soluções, muitas vezes não existirem para serem aplicadas sem mais.

"Chegar às respostas implica ter a capacidade de lidar com a incerteza, de nos adaptarmos, experimentarmos diferentes estratégias, percebendo o que resulta e o que não, e de sermos abertos ao que emerge como possíveis soluções adequadas."2

- sobre os problemas caóticos também não é possível perceber as causas e os efeitos, e são de tal forma confusos que não se pode esperar por respostas com base no conhecimento – a primeira coisa a fazer é agir. Assim, o que se recomenda é agir para tentar restabelecer a ordem, procurar perceber pontos de estabilidade, e responder de forma a tornar o caos em algo (apenas) complexo.

Exemplo de um problema caótico é uma crise humanitária, causada por calamidades naturais ou humanas. Exige ação para controlar o caos. Ação no sentido da partilha de informação e da mobilização de recursos. Só depois de se atingir alguma estabilidade é possível construir respostas que vão além da emergência.

Resolver problemas complexos (e problemas caóticos) implica uma forma de organização que não a tradicional hierarquia a que estamos habituados na generalidade das organizações. Uma forma de organização que implica colaboração, troca de informação e conhecimento, partilha de recursos, flexibilidade e abertura ao que emerge como possíveis soluções, implica alinhar os interesses dos diversos stakeholders envolvidos e negociar consensos. Implica resiliência, e muita paciência.

Para que tudo isto aconteça é necessário que indivíduos e organizações se organizem em redes. Funcionar em rede é algo que a humanidade faz desde sempre. Mas uma coisa são as redes sociais que cada um vai construindo naturalmente ao longo da vida. Outra coisa são redes intencionalmente criadas para a resolução de problemas. Podemos chamá-las de redes de impacto. Em breve publicarei aqui um novo artigo sobre este tipo de redes.

Para já fica esta nota: nem todos os problemas são iguais e as formas de resposta também são distintas. Por isso, em primeiro lugar há que reconhecer perante que tipo de problemas estaremos, antes de enveredar por soluções que não correspondem ao tipo de problema.