A iliteracia financeira é reconhecidamente (1) um problema social que se tem agravado com o desenvolvimento dos mercados financeiros, a crescente complexidade dos produtos, serviços e instrumentos financeiros, o desenvolvimento tecnológico, a digitalização/desmaterialização da economia e a evolução e o envelhecimento demográfico. Na sociedade contemporânea, a iliteracia financeira inibe significativamente a qualidade de vida e o bem-estar de segmentos abrangentes e numerosos da população, como é o caso da população sénior, conduzindo-a a processos de empobrecimento, segregação e exclusão sociais.
Os cidadãos são crescentemente confrontados e compelidos à tomada de decisões sobre aspetos financeiros pessoais, familiares, coletivos e sociais, que exigem o domínio mais aprofundado de conhecimentos e informações mais complexas nas áreas económico-financeiras e competências digitais agilizadas.
O exercício pleno da cidadania reclama, inevitavelmente, o incremento da literacia financeira, da capacidade de ler, analisar, gerir e comunicar sobre a condição financeira pessoal, familiar e da sociedade, melhorando os conhecimentos e a compreensão de produtos e conceitos, a atenção e consciência sobre riscos e oportunidades, sabendo como se informar e obter ajuda para a tomada de decisões refletidas entre escolhas, planear o futuro e fazer face, de forma competente, às exigências do dia-a-dia, adotando comportamentos e atitudes que melhorem a qualidade de vida, o bem estar e, consequentemente, a inclusão social.
A realidade mostra que a população, em Portugal, apresenta, maioritariamente, défices de literacia financeira e baixos níveis de conhecimentos e competências financeiras e digitais.
O Relatório do 3º Inquérito à Literacia Financeira da população portuguesa (2020), enquadrado no exercício de medição da literacia financeira e dinamizado pela OCDE no âmbito da International Network on Financial Education, calculou, com base nas respostas, o Indicador Global de Literacia Financeira, o qual apresentou um valor mediano de 62 pontos em 100. No levantamento levado a cabo em 2023 este indicador foi semelhante, de 63 pontos, e igual à média dos países da OCDE.
O baixo número de respostas corretas, face à autoavaliação efetuada pelos entrevistados, mostra, nos dois períodos, que a perceção sobre os próprios conhecimentos financeiros se encontra desalinhada do conhecimento efetivo, e que os inquiridos sobreavaliam os seus próprios conhecimentos financeiros. Assim, os conhecimentos sobre conceitos básicos ainda continuam em níveis baixos, sendo evidentes as lacunas de compreensão.
Em resultado, constatam-se níveis insuficientes de planeamento do orçamento e de controlo sistemático das finanças pessoais e familiares, explicados pelo défice de conhecimentos, que, conjugado com baixos níveis de rendimentos justificam o desconhecimento sobre produtos, riscos e oportunidades.
Entre os entrevistados que em 2020 afirmam não ter poupado no último ano, destacam-se os aposentados (42,5%). Neste contexto, e num cenário de necessidade de pagar uma despesa inesperada de montante equivalente ao seu rendimento mensal, só 28,4% afirmam ter capacidade de a pagar.
Os resultados do inquérito apontam para uma relação direta entre a literacia financeira, os níveis de escolaridade e de rendimento, encontrando-se os mais reduzidos níveis de literacia financeira entre a população com menor escolaridade e pertencente a agregados familiares com menores rendimentos.
O inquérito de 2020 identifica ainda importantes assimetrias nos níveis de literacia financeira de grupos populacionais, com especial relevância para os níveis de literacia bastante reduzidos na população sénior, com especial incidência na população feminina; desempregados e aposentados; sem escolaridade ou até ao 2.º ciclo; sem hábitos de poupança, e sem poupança para fazer face a despesas inesperadas de montante equivalente ao seu rendimento mensal, ou a perda de rendimento; e nada confiantes no planeamento da sua reforma, ou que não a planeiam.
O Conselho Nacional de Supervisores Financeiros, entidade responsável pela condução do inquérito, conclui que a população sénior é um grupo-alvo prioritário no qual é determinante combater a iliteracia financeira. Esta prioridade é agravada pelo contexto demográfico do duplo envelhecimento da população: quer pelo aumento do quantitativo populacional, e do seu peso relativo na população total, quer pelo aumento da esperança de vida e da longevidade, que significa que as pessoas vivem mais anos e prolongam no tempo as necessidades de acautelar devidamente a sua sustentabilidade para assegurar o seu bem-estar e qualidade de vida.
Contribuem ainda para as causas do agravamento do problema da iliteracia financeira, o desenvolvimento tecnológico, a desmaterialização da sociedade e os serviços públicos digitais, que possibilitam uma crescente intensificação dos serviços e canais digitais, potenciando a criação e oferta de produtos e serviços financeiros cada vez mais complexos e sofisticados e inacessíveis às pessoas com níveis de literacia mais reduzidos.
O fraco nível de medidas que incentivem uma cultura de aprendizagem ao longo da vida, conjugada com uma baixa penetração da internet, e a consequente resistência de aprendizagem, desconfiança e retração na utilização de serviços digitais agravam ainda mais o problema social da iliteracia financeira, levando a situações de marginalização e exclusão social.
As pessoas mais velhas, nestas circunstâncias, ficam assim fragilizadas e sujeitas a vulnerabilidades várias, traduzidas na dificuldade de adotar comportamentos financeiros adequados, com reduzidas taxas de poupança e forte exposição a situações inesperadas, na fraca capacidade de avaliação de riscos e sujeição a perdas não consideradas, suscetíveis a situações de fraude e burla, à contratação de créditos usurários ou serviços de risco financeiro, que comprometem a sustentabilidade financeira, originam situações de isolamento e exclusão social e prejudicam seriamente o seu bem estar e qualidade de vida, com custos familiares e sociais.
Conclui-se assim que combater o problema social do défice da literacia financeira entre a população sénior é uma prioridade premente e geradora de valor e impacto social positivo.
Nota:
(1) Por instituições como a ONU, a OCDE, a UE, o BCE.