A participação social dos cidadãos em situação de pobreza e exclusão social

A participação social dos cidadãos em situação de pobreza e exclusão social

Nos estatutos pode ler-se: “promover e aumentar a eficácia das ações de luta contra a pobreza e exclusão social, fazendo com que tenham expressões e ações inovadoras neste campo, dando voz aos indivíduos, restituindo-lhes a capacidade de iniciativa e promovendo a sua participação no desenvolvimento daquelas ações”.

Muitas têm sido as iniciativas promovidas pela EAPN Portugal ao longo de 30 anos de trabalho no campo do combate à pobreza e à exclusão social e de reforço da participação de todos os atores, quer a nível nacional, quer a nível europeu. A EAPN Portugal sempre entendeu que só poderia ser porta-voz dos cidadãos se, com estes, traçasse linhas de ação, baseadas em diagnósticos elaborados por eles próprios. A nossa função deve assentar numa interlocução próxima com aqueles que vivenciam essas realidades. De outra forma, estaremos sempre a falar do que não sabemos, do que não sentimos e do que não partilhamos.

Defendemos assim que a participação dos cidadãos em situação de vulnerabilidade social seja incorporada nas diferentes iniciativas promovidas pela organização. Sabemos que este caminho, apesar de difícil de trilhar, é aquele que dá melhores frutos, porque são frutos que nascem do respeito pelo outro, da solidariedade, do conhecimento, entre outros.

É um processo importante porque a participação dos cidadãos mais pobres e excluídos na definição das medidas e das ações que visam combater a sua situação social e económica, e posteriormente, na sua concretização, corresponde a um direito que lhes assiste e dá garantias de que a sua voz é ouvida e de que os seus reais interesses são salvaguardados. Importante também porque esta participação garante a mobilização dos que estão mais interessados em que as medidas e as ações sejam bem-sucedidas e porque corresponde ao exercício de uma cidadania ativa que traduz da parte destes cidadãos uma afirmação da vontade de mudar a sua situação.

A participação é um longo processo construído passo a passo. Mas quando confrontados com dificuldades, o receio, a dúvida e a incerteza, é necessário parar e “olhar” para o percurso desenvolvido até ao momento. Daí a necessidade de colocar de forma breve as questões que se colocam atualmente, mas também dar conta do percurso desenvolvido até ao momento, assim como das aprendizagens efetuadas.

Quando falamos de participação devemos ter presente que estamos perante um conceito complexo e polivalente, devido aos vários significados que a palavra adquire em função dos diferentes contextos, mas também, e sobretudo, em função dos objetivos e da ação a que se refere. Por outro lado, o conceito possui em si mesmo várias dimensões que devem ser tomadas em consideração na sua própria definição, tais como as dimensões sociais, políticas, culturais e também as económicas e financeiras, o que fundamenta, em larga escala, o seu caráter polissémico.

Apesar da pluralidade de sentidos que a palavra pode adquirir, não daremos ênfase, nesta reflexão, às formas mais usuais de utilização do conceito no nosso quotidiano, que nos remete para atitudes ou ações isoladas no espaço e no tempo (exemplo: participar no voto eleitoral, participar com o pagamento das quotas da associação, etc.), mas sim na sua dimensão mais dinâmica, partindo-se do pressuposto que se trata fundamentalmente de um processo em construção. A participação pode ser um processo através do qual as pessoas, os grupos e os territórios se (re)apropriam dos seus recursos, da sua identidade, intervêm na vida social, política e cultural e fazem ouvir a sua voz com mais força nas instâncias de decisão[1].

A participação é um processo que integra uma decisão de se constituir parte de algo. Se alguém quer ser o “todo”, não se pode falar de participação. Só podemos falar de participação quando se partilha, se divide, se distribui entre vários, quando se persegue algo em comum, sejam bens materiais, uma ideia, um projeto, entre outras.

A participação é um valor que se inscreve nas ações da EAPN Portugal e que se vai concretizando no seu trabalho em rede. Acreditamos que a participação é a via, o princípio que se deve adotar para diminuir as desigualdades e o combate à pobreza e exclusão social, promovendo o exercício de uma cidadania ativa através da partilha de experiências e de conhecimentos, atuando em conjunto por um objetivo comum. Defendemos igualmente que os processos participativos proporcionam não só momentos de escuta e de diálogo com os atores que se encontram nesta situação, como também permitem uma melhor adequação das medidas e uma maior consciencialização e corresponsabilização no seu processo de inclusão.

A EAPN Portugal tem vindo a promover a cidadania e a participação das pessoas que vivenciam ou já vivenciaram situações de pobreza e/ou exclusão social através de movimentos de cidadania, quer a nível distrital – Conselhos Locais de Cidadãos – quer a nível nacional - Conselho Nacional de Cidadãos -, e ainda a nível europeu. O Conselho Nacional, assim como os respetivos Conselhos Locais, são resultado de um trabalho que a EAPN Portugal tem desenvolvido desde 2002, altura em que auscultou pela primeira vez, de forma participada, cidadãos que auferiam do então Rendimento Mínimo Garantido. Desde 2009 este trabalho foi assumido como uma prioridade da instituição no cumprimento da sua missão.

Integram os Conselhos Locais cidadãos que vivenciaram ou vivem em situação de desfavorecimento social, que se identifiquem com os objetivos da EAPN Portugal e que desejam contribuir voluntariamente para o combate à pobreza e à exclusão social. No Conselho Nacional participa um representante de cada Conselho Local e que é nomeado pelos membros desse Conselho.

Em 2015 a EAPN Portugal fez uma alteração aos seus Estatutos no sentido de integrar na instituição todos os membros dos conselhos locais de cidadãos como associados por inerência. Com esta mudança dá-se um novo passo na promoção da participação na vida interna da Organização, nomeadamente na sua estrutura de Governação. Neste momento, um elemento de cada um dos Conselhos Locais faz parte da Mesa de Conselho Geral ao nível do Núcleo Distrital a par com os associados coletivos e os associados em nome individual. Em alguns locais, como Évora, o membro do Conselho Local assume a presidência da Mesa.

As atividades realizadas com os Conselhos Locais e Nacional são variadas. Destacamos em particular o Fórum Nacional de Combate à Pobreza e Exclusão Social que se realiza anualmente desde 2009 com o objetivo de promover a reflexão e a partilha de âmbito nacional por parte das pessoas que experienciam uma situação de vulnerabilidade social tendo como base a construção de uma sociedade que respeita e tem presentes os direitos humanos. Destacamos a participação a nível europeu no Encontro Europeu de Pessoas em Situação de Pobreza desde 2001, enquanto momentos e espaços de participação a uma escala mais abrangente de partilha, de intercâmbio de apresentações de medidas que influenciem a agenda europeia no que diz respeito à luta contra a pobreza e a exclusão social. Mas podemos destacar também as Campanhas, as Sessões de Capacitação e Sensibilização; projetos e documentos de política variados.

A EAPN Portugal tem procurado demonstrar que a participação dos cidadãos é possível e imprescindível no que se refere ao combate à pobreza. Paulatinamente, a EAPN Portugal pretende reunir condições para uma participação organizada e efetiva num futuro próximo e que, a médio prazo, permita a existência de estruturas e plataformas de participação de cidadãos em situação de pobreza e/ou exclusão social na definição e implementação de políticas e medidas sociais. Ao nível interno, pretendemos também que estes cidadãos assumam cada vez mais um papel significativo nos processos de decisão e de orientação estratégica.

Temos vários desafios pela frente, e o maior de todos é o de termos mais de 2 milhões de pessoas ainda a viver em situação de pobreza. Ignorar, ou relegar para um segundo plano (como tem sido feito), o papel que estas pessoas podem ter na procura de soluções, na construção de novos projetos para combater este flagelo é um erro que temos de superar. Não podemos igualmente ignorar o papel que as entidades da sociedade civil, como a nossa, podem ter na mobilização à participação destes cidadãos, mas para isso as Organizações também precisam de apoio e capacitação.

Assim, e de forma sintética apresentamos as principais aprendizagens desenvolvidas

- A participação deve ser garantida a longo prazo para assegurar o seu acompanhamento e continuidade, permitindo assim aos cidadãos a possibilidade de “crescer” neste âmbito. A participação exige tempo onde se deve ter uma vontade impulsionadora e uma presença constante.

- O grupo deve ter “existência”, isto é, os seus membros devem ter uma agenda partilhada e/ou valores para criar a identidade do “nós”, pois estes criam um sentimento de pertença ao grupo, uma sensação de fazer parte e de ser membro efetivo do grupo.

- Os cidadãos em situação de pobreza e de exclusão social devem ser ouvidos e levados a sério, assim como as suas competências devem ser valorizadas. Devem ser garantidos igualmente os meios e as condições para participar, nomeadamente, apostar na disponibilização de informação através de momentos “formativos”, ações de informação/sensibilização, entre outros.

- O grupo deve ser visível e reconhecido. É importante ter presente a visibilidade (de comunicação para o exterior) que não deixa de ser importante para se explicar o que se faz a outros atores e ao resto da sociedade.

- A participação tem fases e níveis diferentes. Nem sempre os resultados são visíveis a curto prazo, nem homogéneos para todas as pessoas, nem em todos os aspetos. Cada pessoa tem o seu tempo. Cada pessoa tem a sua história, a sua linguagem, a sua cultura, os seus valores. Não se pode ignorar a heterogeneidade quando estamos a promover processos participativos. Relativamente à utilidade da participação nem todas estão convencidas, no mesmo grau e intensidade, para fazê-lo e nem todas terão as mesmas condições.

- É necessário saber escutar, estar atento, dar tempo e espaço para a expressão das necessidades, das aspirações das pessoas que vivenciam as situações de pobreza e de exclusão social.

- As pessoas/instituições que com elas lidam devem também fazer um esforço de promover a participação, como parte do processo de mudança.

- As razões da não participação dão-nos orientações-chave para compreender o mundo da ausência de participação, aquilo que não funciona, mas que muitas vezes não é evidente.

- A participação não se improvisa sendo necessário reunir um conjunto de condições para a participação, valorizando igualmente os momentos em conjunto (ex. reuniões, o planeamento das ações, entre outros).

- A cumplicidade entre os vários membros e os colaboradores da organização torna-se um elemento-chave para a coesão dos grupos e do trabalho desenvolvido neste âmbito, para a partilha de experiências, implicação e envolvimento das pessoas, da circulação de informação e do sentimento de pertença.

- Os cidadãos em situação de pobreza e/ou exclusão social participam ativamente quando os espaços se abrem e se sentem ouvidos, quando fazem o que eles definiram, quando comprovam os resultados e quando se veem a si mesmos como sujeitos e cidadãos.

Assim, consideramos que para a EAPN Portugal é necessário continuar o trabalho desenvolvido até ao momento, garantindo que os grupos mais vulneráveis tenham acesso à informação, tenham a possibilidade de tomar decisões e de desenvolver as suas próprias capacidades e potencialidades. Devemos saber escutar, respeitar os seus ritmos e ter em consideração as suas expetativas para, com elas, dar continuidade à participação.

No “jardim da participação” existe um terreno cheio de flores, no qual se toca uma partitura que se inspira no particular para responder ao global, dando vida às pessoas que se encontram numa situação de pobreza e de exclusão social”[2].

Bibliografia:

In Estatutos da EAPN Portugal, art.2, nº. 1

Jordi Estivil e outros, Pequenas Experiência. Grandes Esperanças!, Rede Europeia Anti Pobreza/ Portugal, Porto, 2006, p. 35

Veiga, Fátima; Cruz, Paula (2017). Juntos por uma sociedade diferente. O percurso dos Conselhos Locais de Cidadãos na EAPN Portugal. Porto: EAPN Portugal.

[1] In CIARIS : http://www.ciaris.org/community/library/show/152.

[2] Jordi Estivil e outros, Pequenas Experiência. Grandes Esperanças!, Rede Europeia Anti-Pobreza/ Portugal, Porto, 2006, p. 35